Dia 8 - Segundo dia presos no Deserto
A ansiedade continuou tomando conta. Acordei novamente passando mal e tendo crise. Descemos para o carro e ficamos aqui na parte de baixo. Comecei a melhorar perto das 10. O Thiago já havia acordado cedo, ficou mexendo no material, organizando imagens, vídeos e cuidando novamente de mim.
Perto das 11 horas, passou um ciclista subindo. Conversamos um pouco com ele, disse que sua esposa estava subindo atrás (não me acreditei quando vi). Se para nós já é difícil de carro respirar, imagina subir isso tudo pedalando!!! Sempre tem alguém mais doido que você, acredite. Poucas bagagens na bicicleta, estavam indo para mesma cidade que nós, Santo Antônio de los Cobres. São da Bégica mas falavam bem em espanhol. Eu me viro no inglês e o Thiago rabisca no espanhol também.
Algumas horas depois, desceu uma caminhonete, seguindo em direção à onde estávamos. Pedimos ajuda para eles mais uma vez, por não saber se alguém estava realmente vindo nos buscar. Eles tiveram algumas ideias, foram até o povoado de La Poma e disseram que iriam voltar às 7 da noite para ver se alguém já havia vindo ou para tentar nos ajudar de outra forma.
Após eles, passaram várias pessoas descendo nesse mesmo sentindo. Um casal e outros dois amigos brasileiros e mais um grupo de motos da Argentina. Todos querendo ajudar de alguma forma. Isso que nos deu esperança que uma hora vamos conseguir ir embora, de alguma forma. O carro além de nosso trabalho é a nossa casa e nao podemos deixa-lo para trás. Deixá-lo, que seja por algumas horas, poderia ser arriscado também. Então agora, (a hora que vos escrevo) temos a esperança que vamos conseguir que alguém venha com um guincho ou cambão para nos levar embora. Temos água para beber para apenas mais 1 dia (isso porque compramos naquela cidadezinha mais, lembra?) e estamos também imundos. Comida temos bastante, daria para mais alguns dias. Porém temos que enfrentar, buscar soluções, porque além de tudo, temos que continuar nossa aventura. Dias de luta, dias de glória, como sempre falo. Temos muitos desafios em nosso caminho, vocês sabem, a quantidade de perrengues que já passamos. E sempre depois das coisas ruins, aparecem pessoas e situações maravilhosas que nos ajudam e levamos para a vida inteira conosco. Nada na vida é fácil e viajar por esses lugares incríveis, também é desafiador.
Estou escrevendo o restante do dia de hoje 3 dias depois. Um milagre aconteceu. Digo milagre mesmo. Eu (Bruna) sou uma pessoa muito crente em Deus. Eu pedi para ele e os anjos enviarem alguém ou algo para nos buscar lá. O tempo havia virado e uma chuva estava vindo. Quando olhei pra frente, lááááá na curva a mais ou menos 1km da gente… um caminhão vindo na nossa direção!!! Parecíamos náufragos acenando para o navio passando. Eu sabia que não íamos ficar lá mais uma noite. Não acreditávamos que no fim do dia, quase escurecendo, alguém tinha realmente se importado conosco e ido nos buscar. Não era qualquer trajeto para um caminhão se arriscar a ir.
Quando o guincho se aproximou (já havia até conseguido dar a volta e chegou de ré, pois estávamos numa estrada com um penhasco ao lado), agradecia demais o homem. Eu realmente estava desesperada. O Thiago é mais tranquilo mas ele estava já angustiado de ficar ali e não conseguir fazer algo. Ele fez tudo que pode, ficou pensando em todas as alternativas possíveis para nos tirar ali. Tínhamos combinado de no dia seguinte pegar o restante da água que tínhamos e andar os 50 km até a cidade para pedir ajuda. Mas o guincho estava ali!!!! Deu aproximadamente 15 minutos que ele havia chego… começou simplesmente a NEVAR. Não sabia se estava feliz, adrenalina a mil, emocionada kkkkk ou se estava mais desesperada por estar nevando. Tínhamos que sair dali RÁPIDO. A estrada ia ficar escorradia e mais perigosa ainda. Será que você consegue imaginar?? Kkkkk
Pra ajudar um pouco me voluntariei para subir no guincho com o carro. Na beira do penhasco. O Thiago tinha que segurar a roda, Héctor (motorista e dono do guincho) precisava direcionar e o Mathias (assistente) precisava ajudar. E isso tudo, POR DEUS, menos de 3 metros do penhasco. Qualquer mínimo deslize… e lá fui eu. Freia, marcha, embreagem, XTerra com 3 toneladas e eu desesperada com medo do guincho não aguentar o peso dela subindo e capotar eu, XTerra e guincho lá pra baixo (todos estavam fora). Foi o segundo maior medo da minha vida (o primeiro foi uma brincadeira idiota de um amigo que deu a ré no carro que estávamos e feriou na beira do Cânion do Funil). Apesar de já estar acostumada com os perrengues, sinceramente, ali a adrenalina tava a um milhão.
Demorou em torno de 10 minutos para colocarmos a XTerra no guincho. A neve começou a ficar cada vez mais intensa. Eu fui na frente com os dois e o Thiago foi dentro do carro. Cada curva eu tremia. O Thiago disse que teve uma hora que uma das rodas traseiras do guincho ficou para fora da estrada… queridos… kkkkkkk. Mas eu fui me acalmando ao ver a experiência do Héctor ao dirigir. Me disse em vários momentos “não tenha medo, conheço bem esssa região”. Ele nunca havia feito o trajeto com neve mas realmente, a experiência dele ao subir a estrada, com neve e um carro com 3 toneladas na serra do corvo branco argentino (curvas iguaizinhas porém a quase 5 mil metros de altura e com neve kkkkk), fez completa diferença.
Acredito que foi 1 hora e meia de subida mais 1 hora até chegar a cidade. A partir de um momento eu falava sem parar de tão nervosa que eu estava. Falava em inglês, espanhol, português….o que vinha no pensamento. Eu só pensava “O Thiago deve estar se divertindo horrores lá atrás, de sorriso de orelha a orelha”. Sabe o que ele me disse depois? “Cara imagina que massa ter ficado lá” kkkkkkk Cara imagina que massa ficar lá sem água, mais não sei quantos dias sem saber quando iríamos embora. Essa é a diferença minha e dele. Apesar de eu ter aprendido MUITO a ficar tranquila nos perrengues e aproveitar aquele momento também, eu sou mais pé no chão, enquanto ele parece que está num parquinho de diversões de confusões.
Com a graça de Deus, quase 3 horas depois chegamos a cidade. San Carlos de Lós Cobres é uma cidade bem pequena e simples, mas atrai turistas do mundo inteiro por suas paisagens extraordinárias.
Pra finalizar, uma dica quando for viajar que a gente sabe mas insiste em não querer: levar muito dinheiro. Porque muito? Porque você nunca sabe o que pode acontecer e quanto você vai precisar. O saque e o cartão de crédito tem taxas absurdamente altas. Fizemos uma compra no cartão de crédito de R$500 que virou R$1000. Tínhamos já poucos pesos. Chegando na cidade fomos direto ao banco (além do milagre, ter um caixa ATM na cidadezinha foi outro) porém, meu cartão não estava liberado para saque. Muito bom. Bora conseguir o restante do dinheiro no dia seguinte, seguindo para Salta, onde iríamos procurar a peça para o carro. E uma casa de câmbio.
Ao chegar, ligamos para nossas famílias para avisar que estávamos vivos kkkk, pois estavam quase 5 dias (antes também não tivemos sinal) sem notícias.